O Futuro da Indústria Automotiva
Em janeiro de 2017, buscava insistentemente uma visão do mercado automobilístico para desenvolver o planejamento estratégico de uma grande rede de concessionárias em São Paulo e me deparei com uma sensacional pesquisa: Global Automotive Survey 2017, realizada pela KPMG, que explorava as macro tendências do setor, pesquisando visões de quase 1.000 executivos e percepções de outros 2.400 clientes.
Uma belíssima fusão entre montadoras, suas redes de concessionárias e as tecnologias. Um novo comportamento do consumidor surgia à minha frente.
Porém, ao refletir sobre o conteúdo, algumas perguntas me vieram à mente:
- Atuei por anos em montadoras, por que estas pesquisas nunca foram divulgadas, se já são realizadas há 18 anos?
- Participei de vários conselhos e comitês em associações de marca e por que nunca tivemos acesso a este material?
Talvez as respostas não sejam animadoras…
“Continue com uma visão de curto prazo, sem inovação e o fim certamente estará próximo”. Talvez esta visão esteja impregnada em nossa indústria, sobretudo em sua cadeia de varejo.
Sem alarmismos, quero descrever melhor esta visão, bem como desenvolver outras sinalizações e profecias “auto” realizáveis do mercado automobilístico.
No contexto inovação, montadoras e suas redes, estão perdidas na tradução das tendências-chave, sejam elas evolucionárias, revolucionárias ou disruptivas e necessitam ser gerenciadas concomitantemente.
Existirá uma evolução natural dos motores a combustão para os motores elétricos, porém, em algumas regiões, as mudanças serão muito lentas.
Portanto, há de se considerar que veículos híbridos poderão atender ambas necessidades, aliados ao crescimento da performance energética dos modelos.
Os motores a combustão ainda manterão sua relevância, mas serão socialmente inaceitáveis.
O diesel, que é politicamente incorreto, ainda será por muito tempo necessário, pois não possui ainda substitutos à altura.
No Brasil, o etanol, uma fonte energética politicamente correta, deve continuar com seu protagonismo, postergando, por algum tempo, investimentos na dinâmica elétrica.
Em 2014, 54% da população mundial vivia nos grandes centros, portanto, automóveis elétricos terão possibilidades reais nas grandes aglomerações de pessoas, onde os investimentos em infraestrutura poderão ter retornos consideravelmente rápidos.
Alianças estratégicas entre a velha economia (montadoras), e a nova economia (empresas.com), deverão ser a força motriz para o sucesso e a continuidade do segmento. A Google, por exemplo, já possui algumas parcerias em desenvolvimento.
A verdadeira, revolução sucederá de fato quando automóvel se tornar uma plataforma “volante”, com o perdão do pleonasmo, gerando diversos serviços aos clientes e dentre eles a mobilidade.
Nunca antes na história do automóvel, este herói, ou vilão, foi tão questionado.
De um meio de transporte a um super “gadget”, onde a expectativa é de que a partir das tecnologias digitais, estas gerem mais receitas que a venda do próprio veículo.
Tal situação causa alarme às montadoras tradicionais, que mantêm altos volumes de produção.
Acostumadas com a produção em massa, o revolucionário trará mudanças no modelo de negócios, para os próximos cinco anos, causando um desequilíbrio para o status quo e creio que migrarão para duas vertentes.
- Marcas de Nicho (Premium e Luxo) que conseguem gerar valor agregado aos clientes em função de garantir aos usuários mais abastados, o prazer de possuí-las e utilizá-las.
- E as demais, com modelos fabricados pelas empresas OEM, produzidos, muitas vezes, em uma mesma planta, para atender os anseios de mobilidade das populações dos grandes centros.
Como profecias “auto” realizáveis, tivemos há algumas semanas, divulgações de estratégias que confirmam as tendências – Investidor Day da FCA – divulgando sua estratégia para os próximos cinco anos, informando que mais de 75% dos investimentos serão em marcas premium (Alfa, RAM, JEEP e Maseratti). E o lançamento da Locadora Fleetzil, da VW no Brasil, apontando que é a hora e vez dos serviços de mobilidade. E é claro as outras diversas ações de montadoras com startups, sem falar nos modelos simplistas de car sharing, já disponíveis em Fortaleza, com veículos elétricos. Uma interessante experiência!
E com esses novos modelos imperando, os proprietários não desejarão possuir veículos daqui a algum tempo, por uma mudança do comportamento, que prioriza o Ser em vez do Ter.
Em se tratando de marcas de nicho, estas saberão como gerar o desejo de serem possuídas por seus clientes, e o farão por um bom tempo. São mestres neste quesito!
As demais sucumbirão, e migrarão para serem produzidas na fábrica do mundo, a China.
A Tesla, que acreditávamos ser a encarnação da evolução, revolução e disrupção, tudo junto e misturado, sendo uma mina de dinheiro para os investidores do setor está atolada em meio a problemas de produção. Segundo a Bloomberg, perde US$ 6.500 por minuto. Somente agora, entendo porque a Daimler Bens deixou de ser acionista em 2014.
Mas as mudanças não param por ai, outras discussões e crises existenciais merecem uma nova rodada de questionamentos:
- De quem será a propriedade dos dados dos clientes? E dos produtos?
- Poderemos utilizá-los para compreender a jornada dos clientes?
- E se tivermos um acidente com um veículo autônomo, a culpa será da montadora ou do cliente – quem terá a responsabilidade cível?
Boas perguntas, tão boas que não tenho as respostas, ainda…
O fato é que as montadoras tentam assumir, de forma robótica, o relacionamento com seus clientes, através de suas grandes plataformas de CRM. Sendo os clientes, pessoas de carne, ossos e repletos de sentimentos, conseguirá a robotização do relacionamento captar esses detalhes?
Dito isto, fica iminente um embate entre as concessionárias e montadoras, para definir quem fará o relacionamento intenso com os clientes. Ganhará aquele que compreender mais o ser humano.
Ainda no tema relacionamento, as montadoras necessitam vencer também as empresas.com, na gestão dos dados dos clientes. Estes acreditam ser as montadoras as mais confiáveis na gestão de seus dados, sobretudo os de comportamento do produto.
Facebook e Cambridge Analytica concretizaram a “auto” profecia, aguçando ainda mais a percepção dos usuários. Meu Deus! Utilizei usuário ao invés de clientes. O conceito digital está me contagiando.
Por outro lado, temos que compreender a vocação dos grandes centros regionais de produção: A Europa Ocidental perderá os seus volumes de produção expressivamente. A China, que já comercializa hoje mais de 27 milhões de unidades, será o grande produtor dos produtos de massa e apesar da explosão populacional, a índia não se tornará a segunda IndoChina.
Os Estados Unidos, seguidos por Alemanha e China, deverão ser os responsáveis pela criação de modelos de negócios de automóveis baseados na gestão de dados.
Finalizando, as top três tendências apontadas são:
- Veículos a bateria elétrica (BEVs – Battery Eletric Vehicles)
- Conectividade e digitalização
- Veículos elétricos com células de combustíveis / híbridos
E você deve estar se perguntando: O que faço?
Gerencie o seu negócio no presente, com a melhor performance possível, com olhos no futuro, compreendendo o que pode e deve ser mudado, mas acima de tudo, compreendendo o que são forças de mudanças, pois os ciclos de investimentos e retorno estão se reduzindo e se tornando cada vez mais voláteis. Enfim, o sucesso do passado não garantirá o seu sucesso no futuro.
Vamos falar agora da pesquisa de 2018! Opa, o tema é muito interessante, mas é uma grande discussão para um próximo artigo.
Artigo original escrito por Marcelo Lara, CEO da NNÓS Educação, em 2017.